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Como cobrar IRRF depois da decisão do STF?

STF declarou constitucional a incidência e a arrecadação pelos municípios, estados e DF, do IRRF, sobre todos os pagamentos.

RICARDO ALMEIDA RIBEIRO DA SILVA
Diretor da ABDF, Procurador do Município do Rio de Janeiro
e Assessor Jurídico da ABRASF.

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Depois que o STF declarou constitucional a incidência e a arrecadação pelos Municípios, Estados e DF, do imposto de renda retido na fonte – previsto nos incisos I dos artigos 157 e 158 da Constituição – sobre todos os pagamentos realizados por eles a fornecedores e prestadores de serviços, restam ainda algumas questões práticas importantes: quais são as alíquotas aplicáveis ao IRRF; como alterar contratos com fornecedores e prestadores de serviços; e como classificar as receitas delas decorrentes das retenções?

Os votos proferidos no Recurso Extraordinário com Repercussão Geral n. 1.293.453 e na Ação Cível Originária n. 2897 acolheram com clareza a tese que venho defendendo pioneiramente desde 2005[1], valendo cotejar os diversos pontos dos votos escritos apresentados pelos Ministros Alexandre, Toffoli, Gilmar e Fachin, com os fundamentos lançados nos artigos e pareceres que elaborei ao longo desses dezesseis anos[2].

Edson FachinGilmar MendesAlexandre de Moraes
Estados e Municípios desempenham papéis de promotores de renda no federalismo fiscal brasileiro, não sendo crível que sua função se reduza ao recolhimento do produto da arrecadação para a União.A regra prevalecente não é a de distribuição dos recursos pela União, mas sim da retenção direta pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. A União não pode se apropriar de rendimentos decorrentes do Erário de outros entes federados.A participação do ente no IRRF é um direito subjetivo seu, surgindo somente quando o ente competente criar o tributo e ocorrer o seu fato inoponível. Quando instituído, a União não pode restringir o acesso desses entes aos recursos que lhes correspondam.

Ministro Edson Fachin

“Os Estados e Municípios não são apenas agentes de retenção de imposto de renda nos pagamentos realizados a terceiros contratados. Oportuno consignar que desempenham autêntico mister de promotores de renda ao pactuar contratos que preveem rendimentos aos seus prestadores de serviços e/ou fornecedores, não sendo crível, na moldura do federalismo fiscal brasileiro, que recolham tal ‘produto de arrecadação’ à União”.

Ministro Gilmar Mendes

Diversamente da dicção do CTN, a previsão da ordem constitucional atual não é de ‘distribuição’ dos recursos pela União, mas sim de ‘retenção direta’ por Estados, Distrito Federal e Municípios. Ademais, a limitação do artigo do Código Tributário a rendimentos relacionados a ‘obrigações de sua dívida pública e sobre os proventos dos seus servidores’ guardava aproximação com ordens constitucionais anteriores, não com a atual.” 

[…] 

“O que me parece ofensivo à teleologia constitucional, sob o prisma da isonomia e da sistematicidade do texto, é precisamente a apropriação de recursos por um dos entes (União), quando o rendimento pago é decorrente do Erário de outros entes federados”.

Ministro Alexandre de Moraes

É certo que o direito subjetivo do ente federativo beneficiado com a participação no produto da arrecadação do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF, nos termos dos arts. 157, I, e 158, I, da Constituição Federal, somente existirá a partir do momento em que o ente federativo competente criar o tributo e ocorrer seu fato imponível. No entanto, uma vez devidamente instituído o tributo, não pode a União – que possui a competência legislativa – inibir ou restringir o acesso dos entes constitucionalmente agraciados com a repartição de receitas aos valores que lhes correspondem”.

Entretanto, alguns entes federados que não vinham aplicando a tese vêm manifestando dificuldades em compreender os critérios e meios para operacionalizar a retenção do imposto de renda sobre os “rendimentos pagos por eles a qualquer título”, para além dos rendimentos do trabalho devidos a servidores, funcionários, aposentados e pensionistas.

Em 2019 tive a oportunidade de promover um workshop no Rio de Janeiro, em nome da ABRASF, orientando os municípios sobre os critérios para dar efetividade à previsão constitucional. Faço aqui um breve resumo dos principais pontos, para os entes questionadores:

Previsão do critério administrativo

Editar Decreto Executivo municipal para aplicação das normas tributárias existentes na legislação federal atual – até que sobrevenha nova regulamentação em lei federal ou em lei complementar nacional – salvo se o ente federado decidir se valer da sua competência legislativa supletiva (suplementar ou complementar), editando lei formal sobre o tema;

Declaração ou definição dos critérios (hipóteses e alíquotas)

As normas tributárias disponíveis na legislação federal para retenção do imposto de renda fonte para o setor público são aquelas editadas a partir do artigo 64 da Lei Federal n. 9.430/06, especialmente a Instrução Normativa n. 1.234/2012 (com alterações posteriores), onde se encontra o rol de alíquotas aplicáveis à Administração Indireta Federal e, ao menos por simetria, aos demais entes federados, otimizando a norma constitucional do inciso I dos artigos 157 e 158;

Alteração dos instrumentos contratuais

A obrigação legal deve ser mencionada no referido Decreto Executivo para todos os contratos e relações de compras e pagamentos do ente federado, inclusive rendimentos pagos ao Terceiro Setor. Importante o gerenciamento gradual e cuidadoso das alterações formais dos contratos administrativos e dos convênios em curso, com inserção de cláusula que prevê (com caráter declaratório) a retenção prevista na Constituição, conforme critérios da legislação federal vigente, apontados no Decreto Executivo. Não é hipótese de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato (pois os valores retidos serão compensados futuramente na declaração anual de ajuste);

Classificação da receita

A receita deverá ser classificada na rubrica de número 1112.04.30, conforme Portarias nº 212/2001 e nº 163/2001 da Secretaria do Tesouro Nacional, que em seu art. 1º atribui tal classificação para “a arrecadação do imposto descrito nos incisos I, dos artigos 157 e 158, da Constituição Federal, seja contabilizada como receita tributária”. Vale lembrar que a Portaria Interministerial MF/MP nº 325 de 27/08/2001 excluiu tal receita do rol das “Transferências Correntes”, quando do recrudescimento da querela entre entes locais e a Receita Federal do Brasil – que culminou com a posterior edição da Solução de Consulta COSIT n. 166 e da Instrução Normativa n. 1599, ambas editadas em 2015;

Possibilidade de retenção exclusiva e definitiva na fonte

A ABRASF está propondo ao Congresso Nacional que a retenção na fonte do imposto de renda sobre os rendimentos pagos a qualquer título para prestadores e fornecedores de bens seja realizada de modo exclusivo e definitivo na fonte, com alíquota única e reduzida, diminuindo a carga tributária das empresas que prestam serviços e vendem bens para o setor público, e facilitando operacionalmente a sua arrecadação, para Municípios, Estados e DF, assim como evitando fraudes e sonegações em relação à União.

Portanto, diante dessas orientações, entendo que se afigura razoavelmente simples a efetivação prática da norma constitucional vigente, apesar de todas as dificuldades criadas pela União para sua aplicação. Com isso, os atuais 60/70 bilhões de reais já arrecadados pelos entes que adotaram plena e corretamente a tese, poderão atingir patamares que efetivem o comando constitucional, evitando que recursos dos entes locais e regionais sejam drenados para os cofres da União ou mantidos no caixa das empresas inadimplentes de suas obrigações tributárias.

Notas

[1] A tese foi inicialmente apresentada no âmbito da Associação Brasileira das Secretarias, durante a Assembleia Geral Extraordinária realizada na cidade de Natal/RN, no ano de 2005. Desde então defendi a tese em nome da ABRASF (como amicus curiae) e de algumas municipalidades, em inúmeros processos judiciais na Justiça Federal e no STF, especialmente no IRDR julgado pelo TRF da 4ª Região, nas diversas ACOs propostas pelos Estados, na ADI 5565 (do DF) e no RE 1.293.453 que acaba de ser julgado com Repercussão Geral.

[2] Vide o artigo “Titularidade dos Municípios sobre o Imposto de Renda Incidente sobre Rendimentos Pagos pelos Municípios”, publicado em 2010 na Revista Eletrônica de Direito do Estado REDE, edição n. 21, feb/abr 2010, organizada pelo estimado Professor Paulo Modesto e o Parecer publicado sob o título na saudosa Revista Dialética de Direito Tributário n. 219, Dezembro de 2013, p. 148-164.

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